TAPANULIS - OS NOVOS "HOMENS DAS FLORESTAS"!
Filipe Figueiredo
O TAPANULI
Cada vez que uma nova espécie é descoberta, a natureza mostra-nos dessa forma o quanto de extraordinário tem para dar e lembrar-nos que este nosso mundo, apesar da contínua destruição por parte dos homens, é ainda imenso nas suas expressões de vidas alternativas.
Sempre me fascinaram as descobertas de novas espécies ou mesmo de espécies que já se julgavam extintas, como também sempre foi profunda a tristeza cada vez que sei de uma espécie que desaparece, ou mesmo quando o seu estatuto fica de tal maneira ameaçado que a sua sobrevivência acaba criticamente em perigo de extinção.
Os Tapanulis são um dos mais recentes casos e talvez o exemplo mais perturbador daquilo que acabei de escrever antes. Confirmados enquanto nova espécie há poucos meses atrás, constatou-se igualmente, que a sua população na globalidade já se encontra em perigo e seriamente ameaçada.
O que são Tapanulis? Estamos agora perante a oitava espécie de grandes primatas, mais correctamente, de símios. Aqueles partilham um genoma mais próximo ao ser-humano. Eram até à data sete as espécies conhecidas (como já referi em outro espaço deste site): O Gorila-do-Oriente, o Gorila-do-Ocidente, o Chimpanzé-comum, o Bonobo, o Orangotango-de-Sumatra, o Orangotango-do-Bornéu e o… Homem. A estes, junta-se a partir de 2017, uma nova espécie, designada: Orangotango-de-Tapanuli.
Esta descoberta não é totalmente original, mas sim e acima de tudo, surpreendente. A existência ou a suspeita de existência destes animais no seu habitat natural era já comentada desde 1935, incluindo num estudo em 1939. Mas só há vinte anos, mais precisamente, desde 1997, que se teve conhecimento desta população na remota região de Batanga Toru, em Tapanuli Selatan, província de Sumatra, na Indonésia. Porém, os dados começam a surgir, após avistamentos em 2003, e a um estudo que se segue sobre estas populações isoladas a sul. Todavia, só em 2013, a curiosidade científica e as suspeitas por arrasto se levantaram; aquando o antropologista evolutivo, o professor Michael Krützen, trouxe do extremo norte de Sumatra para a universidade de Zurique (onde exerce o seu papel de investigador), um crânio com algumas particularidades. Seguiram-se todos estes últimos anos de análise genéticas e estudos filogénicos, para além de comparações morfológicas com dezenas de outros orangotangos de Sumatra, para determinar a origem real daquele crânio (que se sabia pertencer a um macho adulto morto por habitantes locais de uma povoação daquela região). Finalmente, foi reconhecido, como uma espécie diferente das duas únicas conhecidas a 2 de Novembro de 2017; ainda que continue, o que é típico nestas situações, a ser contestada a sua autenticidade em termos da sua taxonomia, por alguns investigadores, tanto de universidades inglesas como americanas.
A questão que leva à identificação de uma nova espécie (ou mesmo subespécie) continua a ser bastante subjectiva, se a evidência genética não for significativa. Porém, há dados que devem ser tomados como referência determinante para olhar estes exemplares ou espécimes, como uma preocupação fundamental de acompanhamento e conservação (claro que, os estudos devem sempre continuar). No caso dos Tapanulis, existem elementos suficientes para esta diferenciação; um crânio menor e outras comparações osteológicas, formato da dentição, uma pelagem cor de canela pouco homogénea e encaracolada, as fêmeas usam barbas (que não é comum nas outras espécies), os machos têm bigodes mais volumosos e abas laterais faciais com um pêlo macio, uma etologia específica (os machos usam uma vocalização longa e sonoramente evolutiva nos períodos de corte e acasalamento, quem sabe se até como definição territorial), alimentação diverge das restantes populações de Sumatra (para além de frutos, cascas, folhas ou rebentos de 5/6 árvores desconhecidas na dieta destes animais… quase 30% dos seus nutrientes alimentares, alimenta-se de parte das pinhas de pinheiros coníferos e de lagartas… o que nunca fora registado nas outras espécies), ainda a tipificação dos ninhos (com um menor numero de ninhos habituais nos orangotangos) ou os pêlos faciais e a forma das barbichas características do género. Também, a localização isolada destes orangotangos, pode ter ajudado na definição da espécie; ao que parece os estudos genéticos comparativos com os orangotangos-de-Sumatra, indicam que esta divergência deverá ter ocorrido há mais de 3 milhões de anos, acentuando-se ainda mais há aproximadamente 75 mil anos com as alterações geográficas da ilha que os deixou ainda mais isolados, acreditando-se inclusive que, qualquer espécie de contacto entre as populações tenha deixado de existir nos últimos 10 a 20 mil anos. Quer se queira entender ou não, mas os factores genéticos com o isolamento de outros grupos de genes, leva à forte probabilidade, dos primeiros evoluírem para padrões cada vez mais diferenciados. Para além disso, existe um outro factor considerável; a sua localização geográfica aproxima-os mais das fronteiras geológicas-históricas da migração dos primeiros orangotangos vindos da Ásia continental ou do sudeste asiático (talvez, Malásia), depois da glaciação. Levando a crer que, tenham divergido dos conhecidos Orangotangos-de-Sumatra muito antes, destes últimos, terem se separado da segunda espécie conhecida, os orangotangos-do-Bornéu.
Os Tapanulis, habitam as florestas húmidas tropicais e subtropicais a sul do conhecido Lago Toba, na zona setentrional da ilha, um local outrora de grande intensidade vulcânica que originou esta área hidráulica com uma extensão de 100 km, curiosamente a mesma distancia que os separa das outras populações de orangotangos de Sumatra que habitam a norte do mesmo lago. De tipologia primária (densa e interior), mais elevada e precipitação superior, estas três concentrações de florestas numa área de 1500 km2, onde cerca de 1.022 quilómetros quadrados, são o seu único habitat e variam entre os 300 metros e os 1.300 de altitude; albergando toda a população de Orangotangos-de-Tapanuli, e que se calcula que não excedam os 800 indivíduos; ou seja, é a menos numerosa de todas as espécies de grandes primatas. Cerca de 8% numa área florestal ao abrigo da conservação, 78% da população numa zona circunscrita e protegida e 14% numa área sem qualquer vigilância ou controlada.
Esta é uma condição de risco bastante elevada para a espécie; pois um território limitado, condiciona qualquer população de animais. Não só, porque não permite com facilidade o natural desenvolvimento de novos grupos, como potencializa as ameaças: seja pela caça furtiva, pela captura para fins privados ou comerciais, o tráfico ilegal de animais, o desbravamento da floresta por pequeno que possa ser terá sempre um forte impacto negativo na sustentabilidade das populações como no seu crescimento. A incursão da expansão humana no interior destes habitats com estradas ou terrenos agrícolas dispersos, são ameaças sérias, acima de tudo porque provocam inevitáveis conflitos e confrontos entre o homem e o animal… como afectam os corredores naturais das populações selvagens, a definição de territórios, e promovem a diminuição da diversidade genética aumentando as probabilidades por um decréscimo endogâmico na consanguinidade entre os indivíduos (o estudo de 2017, já revelava a codificação destes alelos elementares no genoma de dois exemplares observados). Todas estas circunstâncias são já por si condições críticas na preservação de qualquer espécie, mas esta situação irá ser ainda mais agravada, neste caso, porque está em marcha um projecto que prevê a construção de uma hidroeléctrica no local e que cortará as ligações entre a zona oeste e leste das populações ali existentes, o que a ter continuidade ditará (se nada for feito) a extinção do Orangotango-de-Tapanuli (tal como da restante biodiversidade) em poucas dezenas de anos. Para se ter uma ideia, da afectação que a perturbação nos habitats pode provocar, o estudo de 2003, dava conta de vários ninhos dispersos mais a sul, na área de Lumut; recentemente uma investigação na mesma área não revelou o indicio de nenhum.
Tenho sérias duvidas que mesmo com o Programa de Conservação do Orangotango de Sumatra e um novo para a conservação desta nova espécie, sejam suficientes para evitar o pior dos males. Só a intervenção das instituições oficiais e internacionais poderão exercer a pressão necessária para salvar esta nova espécie de grandes primatas. Não nos podemos esquecer, que esta é a primeira descoberta de um símio (da família Hominídeos de que fazemos parte) nos últimos 80 anos (desde o reconhecimento do Bonobo ou Chimpanzé-pigmeu). Estamos a falar de uma espécie com um genoma 97% idêntico ao nosso. É difícil calcular o quanto trágico e dramático poderia ser o desaparecimento de qualquer das espécies que constroem o puzzle da família animal a que pertencemos, isto até para entendermos ainda melhor a evolução das espécies e a nossa própria história antropológica.
Classificação Científica: Pongo tapanuliensis
Nurcahyo, Meijaard, Nowak, Fredriksson & Groves, 2017
Domínio: Eukaryota
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mamíferos
Ordem: Primatas
Subordem: Haplorrhini
Infraordem: Simiiformes
Superfamília: Hominoidea
Família: Hominidae
Subfamília: Ponginae
Género: Pongo
Espécie: Pongo tapanuliensis
Estatuto de Conservação / IUCN: CR – Em Perigo Critico
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