FÓSSEIS DE 110 MILHÕES DE ANOS ESTÃO VIRANDO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO PELO BRASIL...
Por Guilherme Rosa
O veterinário Alberto Campos é uma espécie de paleontólogo urbano amador.
Durante o expediente, ele trata de cães e gatos em seu consultório; nas horas vagas, explora as ruas de Recife atrás de fósseis de 110 milhões de anos incrustados em pedras. Sua principal busca é pela Pedra Cariri, uma rocha ornamental extraída na Bacia do Araripe, divisa do Ceará, Piauí e Pernambuco, região famosa pela variedade de fósseis no solo.
No último 13 de fevereiro, durante um passeio com o cachorro, ele encontrou 15 fósseis de peixes e uma asa de inseto adornando as pedras de um muro nos Aflitos, um bairro nobre da cidade. Com o celular, fotografou sua descoberta e postou a denúncia no Facebook. “Quis chamar atenção pro fato de as mineradoras extraírem a pedra de maneira destruidora, sem se preocupar com os fósseis”, disse ao Motherboard. “Esses fósseis são da época dos dinossauros. E estão servindo para enfeitar a casa de gente rica.”
O veterinário pretendia que as fotos, postadas de maneira despretensiosa entre vídeos de cachorros, servissem apenas para alertar os amigos.
No último 13 de fevereiro, durante um passeio com o cachorro, ele encontrou 15 fósseis de peixes e uma asa de inseto adornando as pedras de um muro nos Aflitos, um bairro nobre da cidade. Com o celular, fotografou sua descoberta e postou a denúncia no Facebook. “Quis chamar atenção pro fato de as mineradoras extraírem a pedra de maneira destruidora, sem se preocupar com os fósseis”, disse ao Motherboard. “Esses fósseis são da época dos dinossauros. E estão servindo para enfeitar a casa de gente rica.”
O veterinário pretendia que as fotos, postadas de maneira despretensiosa entre vídeos de cachorros, servissem apenas para alertar os amigos.
Mas a mensagem foi compartilhada milhares de vezes e chamou atenção até da Polícia Federal. Como os fósseis são considerados patrimônio da União, sua venda não é permitida pela lei e pode levar a uma pena de até cinco anos de prisão. “A partir da denúncia, fomos até o local e demos início a uma investigação”, diz Giovani Santoro, da Polícia Federal de Pernambuco. “Os fósseis estão espalhados por várias construções. A investigação ainda deverá apontar se isso está sendo feito de maneira criminosa, mas o fato é que estamos desperdiçando um acervo arqueológico importante.”
Muro com pedras do Araripe. Crédito: Alberto Campos
As Pedras da Bacia do Araripe são compostas por depósitos de calcário laminado que se juntaram no fundo de um lago de água doce que existiu na região há 110 milhões de anos. Nessa época, os dinossauros ainda caminhavam pelo planeta e a América do Sul ainda era ligada à África, formando o supercontinente de Gondwana. Conforme o calcário ia se depositando, preservava o que encontrava em seu caminho, fornecendo um retrato preciso de como era a vida naquele período.
Segundo Alcina Barreto, professora do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco, a quantidade de fósseis encontradas entre essas rochas é imensa. “Ali já foram encontrados fósseis de dinossauros, tartarugas e dinossauros, além de uma fauna riquíssima de pterossauros, uma das maiores do mundo”, diz.
Fóssil de peixe pode ser visto de perto. Crédito: Alberto Campos.
As rochas também são famosas por conter fósseis de insetos, como o que Alberto encontrou no muro. “Ali já foram descobertas 100 espécies novas de insetos. Esse tipo de fóssil é raro no planeta todo”, diz Alcina. “Já o peixinho que o moço fotografou se chama Dastilbe elongatus, e é o fóssil mais comum nessa rocha.”
A denúncia de Alberto não é novidade para a geóloga. “Esse é um problema sério, muito discutido no meio paleontológico. Alguns fósseis, inclusive, são separados e vendidos ilegalmente no exterior”, diz. “É comum que isso aconteça com os fósseis maiores, mas eu já vi o próprio Dastilbe sendo vendido lá fora por 10 euros.”
“O problema é que não há fiscalização na extração dessas rochas. E as nossas denúncias não têm repercussão nenhuma”, diz Alcina.
Alberto Campos notou pela primeira vez os pequenos fósseis que decoravam a Pedra Cariri há cerca de 20 anos. Desde então, ele vasculha as ruas atrás desses achados paleontológicos. “Essa pedra é vendida em praticamente todos os armazéns de construção de Recife e é enviada para todo o Brasil”, diz. “Nesse final de ano, estive no litoral de São Paulo em um condomínio de alto padrão e encontrei a rocha enfeitando o piso de várias piscinas.”
Seu fascínio era tanto que, no começo dos anos 2000, ele encontrou em um armazém várias rochas quebradas que iriam para o lixo. Falou com o dono, enfiou todas em um saco de farinha e levou para casa. Lá, como um bom paleontólogo amador, ele lixou cada uma das pedras em busca de fósseis. “Consegui descobrir alguns peixes e um crustáceo parecido com camarão”, diz. “Fiquei eufórico no dia que encontrei o camarão. É muito legal encontrar um fóssil onde antes não parecia existir nada.”
Aos poucos, começou a puxar o assunto com as pessoas. “E ninguém sabia que aquelas rochas enfeitando os muros eram tão importantes, um verdadeiro patrimônio científico da gente”, diz.
De fato, os fósseis retirados na região, que vão parar nas lojas de construção ou no mercado negro, poderiam ajudar a contar a história da vida no planeta Terra. Segundo Alcina Barreto, eles são importantes para, por exemplo, quem estuda a evolução das plantas. “Nessa época estavam surgindo as primeiras plantas com flores do planeta e ali já foram descritas uma grande quantidade de espécies novas”, diz.
A geóloga diz que, ali na região, não são só os fósseis da Pedra Cariri que estão ameaçados. Localizada em uma camada de solo acima dela, uma outra formação geológica chamada Formação Romualdo se sedimentou dez milhões de anos depois. Nela são encontradas as pedras de peixe, famosas por conter um grande número de fósseis muito bem preservados — não só de peixes, mas também de outros animais como dinossauros e pterossauros.
Acontece que, entre as duas camadas, se formou um depósito de gipsita, mineral usado para fazer gesso. “Da região sai mais de 90% da produção de gesso do Brasil. No processo de mineração da gipsita, os fósseis da Formação Romualdo acabam sendo descartados como rejeito”, diz Alcina. “Não estou dizendo que precisamos parar com a exploração das pedras ou do gesso, mas é necessário haver um controle para que não se percam mais fósseis.”
A função de fiscalizar a mineração das rochas é do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O órgão reconhece que não dá conta de acompanhar esse trabalho na região. “A fiscalização é insuficiente pois não temos o número de fiscais para procedermos como gostaríamos”, afirmou em comunicado ao Motherboard.
A professora Alcina Barreto sugere uma medida para controlar a saída dos fósseis. O governo poderia exigir que as mineradoras da região tivessem um paleontólogo ou um técnico em paleontologia contratado para supervisionar seu trabalho. Se algum fóssil fosse encontrado, deveria ser entregue às autoridades. “Temos que pensar em alguma maneira de controlar a saída de fósseis”, diz. Enquanto isso, fósseis onde estão registrados importantes passos da história da evolução continuam sendo tratado como material de construção Brasil afora.
Fonte: Motherboard
Muro com pedras do Araripe. Crédito: Alberto Campos
As Pedras da Bacia do Araripe são compostas por depósitos de calcário laminado que se juntaram no fundo de um lago de água doce que existiu na região há 110 milhões de anos. Nessa época, os dinossauros ainda caminhavam pelo planeta e a América do Sul ainda era ligada à África, formando o supercontinente de Gondwana. Conforme o calcário ia se depositando, preservava o que encontrava em seu caminho, fornecendo um retrato preciso de como era a vida naquele período.
Segundo Alcina Barreto, professora do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco, a quantidade de fósseis encontradas entre essas rochas é imensa. “Ali já foram encontrados fósseis de dinossauros, tartarugas e dinossauros, além de uma fauna riquíssima de pterossauros, uma das maiores do mundo”, diz.
Fóssil de peixe pode ser visto de perto. Crédito: Alberto Campos.
As rochas também são famosas por conter fósseis de insetos, como o que Alberto encontrou no muro. “Ali já foram descobertas 100 espécies novas de insetos. Esse tipo de fóssil é raro no planeta todo”, diz Alcina. “Já o peixinho que o moço fotografou se chama Dastilbe elongatus, e é o fóssil mais comum nessa rocha.”
A denúncia de Alberto não é novidade para a geóloga. “Esse é um problema sério, muito discutido no meio paleontológico. Alguns fósseis, inclusive, são separados e vendidos ilegalmente no exterior”, diz. “É comum que isso aconteça com os fósseis maiores, mas eu já vi o próprio Dastilbe sendo vendido lá fora por 10 euros.”
“O problema é que não há fiscalização na extração dessas rochas. E as nossas denúncias não têm repercussão nenhuma”, diz Alcina.
Alberto Campos notou pela primeira vez os pequenos fósseis que decoravam a Pedra Cariri há cerca de 20 anos. Desde então, ele vasculha as ruas atrás desses achados paleontológicos. “Essa pedra é vendida em praticamente todos os armazéns de construção de Recife e é enviada para todo o Brasil”, diz. “Nesse final de ano, estive no litoral de São Paulo em um condomínio de alto padrão e encontrei a rocha enfeitando o piso de várias piscinas.”
Seu fascínio era tanto que, no começo dos anos 2000, ele encontrou em um armazém várias rochas quebradas que iriam para o lixo. Falou com o dono, enfiou todas em um saco de farinha e levou para casa. Lá, como um bom paleontólogo amador, ele lixou cada uma das pedras em busca de fósseis. “Consegui descobrir alguns peixes e um crustáceo parecido com camarão”, diz. “Fiquei eufórico no dia que encontrei o camarão. É muito legal encontrar um fóssil onde antes não parecia existir nada.”
Aos poucos, começou a puxar o assunto com as pessoas. “E ninguém sabia que aquelas rochas enfeitando os muros eram tão importantes, um verdadeiro patrimônio científico da gente”, diz.
De fato, os fósseis retirados na região, que vão parar nas lojas de construção ou no mercado negro, poderiam ajudar a contar a história da vida no planeta Terra. Segundo Alcina Barreto, eles são importantes para, por exemplo, quem estuda a evolução das plantas. “Nessa época estavam surgindo as primeiras plantas com flores do planeta e ali já foram descritas uma grande quantidade de espécies novas”, diz.
A geóloga diz que, ali na região, não são só os fósseis da Pedra Cariri que estão ameaçados. Localizada em uma camada de solo acima dela, uma outra formação geológica chamada Formação Romualdo se sedimentou dez milhões de anos depois. Nela são encontradas as pedras de peixe, famosas por conter um grande número de fósseis muito bem preservados — não só de peixes, mas também de outros animais como dinossauros e pterossauros.
Acontece que, entre as duas camadas, se formou um depósito de gipsita, mineral usado para fazer gesso. “Da região sai mais de 90% da produção de gesso do Brasil. No processo de mineração da gipsita, os fósseis da Formação Romualdo acabam sendo descartados como rejeito”, diz Alcina. “Não estou dizendo que precisamos parar com a exploração das pedras ou do gesso, mas é necessário haver um controle para que não se percam mais fósseis.”
A função de fiscalizar a mineração das rochas é do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O órgão reconhece que não dá conta de acompanhar esse trabalho na região. “A fiscalização é insuficiente pois não temos o número de fiscais para procedermos como gostaríamos”, afirmou em comunicado ao Motherboard.
A professora Alcina Barreto sugere uma medida para controlar a saída dos fósseis. O governo poderia exigir que as mineradoras da região tivessem um paleontólogo ou um técnico em paleontologia contratado para supervisionar seu trabalho. Se algum fóssil fosse encontrado, deveria ser entregue às autoridades. “Temos que pensar em alguma maneira de controlar a saída de fósseis”, diz. Enquanto isso, fósseis onde estão registrados importantes passos da história da evolução continuam sendo tratado como material de construção Brasil afora.
Fonte: Motherboard
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