segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Como truques extremos de hibernação podem ajudar a curar ferimentos e salvar vidas.


Como truques extremos de hibernação podem ajudar a curar ferimentos e salvar vidas.
Por: Frank Swain


Imagine: você foi levado às pressas para o pronto-socorro e está morrendo. Seus ferimentos são graves demais para os cirurgiões tratarem a tempo. Seus vasos sanguíneos sangram em hemorragias invisíveis. A perda de sangue está matando seus órgãos pela falta de nutrientes e oxigênio. Você está entrando em parada cardíaca.

 Um método ambicioso para salvar vidas substitui seu sangue por água gelada.

Mas não é o fim. Toma-se uma decisão: você é ligado a tubos, os médicos ativam uma máquina, e um mecanismo de bombeamento começa a ir para frente e para trás. Um líquido frio como gelo corre em suas veias, resfriando-as. Logo seu coração para de bater, seus pulmões já não respiram. Seu corpo gelado fica lá, equilibrado na fina linha entre a vida e a morte, nem totalmente de um lado nem do outro, como se parado no tempo.
Os cirurgiões continuam a trabalhar, pinçando, suturando, consertando. O mecanismo de bombeamento então volta à atividade, trazendo o sangue quente de volta para seu corpo. Você vai ser ressuscitado. E, se tudo correr bem, você vai viver.
Animação suspensa
A animação suspensa, a habilidade de colocar os processos biológicos de uma pessoa em modo de espera, é conhecido há tempos na ficção científica. O interesse nessa área cresceu nos anos 1950 como uma consequência direta da corrida espacial. A NASA financiou pesquisas biológicas para ver se humanos poderiam ser postos em um estado de preservação artificial. Nesse estado, esperava-se, astronautas poderiam ser protegidos da perigosa radiação cósmica que permeia todo o espaço. E, ao dormir rumo ao espaço, astronautas precisariam levar menos comida, água e oxigênio, tornando mais práticas as viagens realmente longas.
Um dos destinos desse financiamento foi o jovem cientista James Lovelock. Ele mergulhava hamsters em banheiras geladas até que seus corpos congelassem. Quando o cientista não mais detectasse os batimentos cardíacos, ele os reanimava colocando uma colher quente contra o peito do hamster. (Lovelock também fez experimentos ainda mais ao estilo era espacial, usando partes de um rádio para construir uma pistola de microondas, para reviver suas cobaias com mais cuidado.) Esses experimentos com a flexibilidade da vida o colocariam no caminho de seu trabalho mais famoso, a “hipótese de Gaia”, que apresenta o planeta como um super-organismo vivo.
Apesar de ousados, esses experimentos iniciais não passaram dos testes em animais, e astronautas nunca foram congelados e revividos com colheres quentes. A ideia de transformar pessoas em picolés de carne para uma viagem espacial de longa distância continuou no reino da ficção científica. O interesse da NASA aferreceu com o fim da corrida espacial, mas as sementes plantadas por Lovelock e seus colegas continuaram a crescer.
Humanos congelados
Em 1900, o British Medical Journal publicou um relato de camponeses russos que, segundo o autor, eram capazes de hibernar. Moradores da região nordeste de Pskov viviam em um estado próximo à fome crônica, e se fechavam em casa ao primeiro sinal de neve: eles se juntavam ao redor do fogão e caíam em um sono profundo, que chamavam de “lotska”. Acordando uma vez por dia para comer um pouco de pão e tomar água, os membros da família se revezavam em turnos para cuidar do fogo, só acordando por completo quando chegasse a primavera. Nenhum rastro dos camponeses sonolentos de Pskov foi encontrado desde então, mas a fantasia da hibernação humana persiste e, de vez em quando, algo que se parece muito com isso surge na vida real.
Um século depois, Anna Bågenholm estava em férias, esquiando na Noruega, quando caiu de cabeça em um rio congelado e ficou presa sob o gelo. Quando o resgate finalmente chegou, a radiologista sueca tinha ficado submersa por 80 minutos – seu coração e sua respiração tinham parado. Os médicos do Hospital Universitário de Tromsø registraram a temperatura corporal dela em 13,7°C, a mais baixa observada em uma vítima de hipotermia acidental. Para todos os efeitos, ela parecia ter se afogado. No entanto, depois de um cuidadoso reaquecimento e dez dias na unidade de tratamento intensivo, Bågenholm acordou. Ela se recuperou quase completamente de sua fria batalha com a morte. Sob circunstâncias normais, mesmo alguns minutos sob a água é suficiente para afogar alguém, mas ainda assim Bågenholm sobreviveu por mais de uma hora. De alguma forma, o frio a manteve viva.


Um rato branco de laboratório em hibernação no gelo. CC-BY: Ben Gilbert/Wellcome Images

Não é a primeira vez que se tornam evidentes os benefícios do frio contra ferimentos traumáticos. Desde a era napoleônica, médicos observaram que soldados da infantaria feridos e deixados no frio tinham uma taxa de sobrevivência maior do que os oficiais feridos e mantidos junto ao fogo em barracas aquecidas. A hipotermia terapêutica é comum em hospitais hoje em dia, ajudando a reduzir ferimentos em diversas situações, de cirurgias ao auxílio na recuperação de recém-nascidos após partos difíceis.

Baixar a temperatura do corpo torna mais lenta sua atividade metabólica, a cerca de 5% a 7% para cada grau baixado. Isso, por sua vez, reduz o ritmo de consumo de nutrientes essenciais, como o oxigênio. Assim, protegem-se tecidos que poderiam morrer com a falta de oxigênio, perda de sangue ou parada cardíaca. Em teoria, se continuarmos reduzindo a temperatura do corpo, uma hora os processos biológicos serão pausados – o corpo existiria em animação suspensa. Como um relógio parado, não haveria nada de fisicamente errado com ele: todos os componentes ainda estariam intactos, porém imóveis. Ele apenas precisaria de um pouco de calor para entrar em movimento novamente.
É claro, não é assim tão simples. A hipotermia é perigosa. Seu corpo quer se manter quente e vai lutar por isso. No decorrer da sua vida, ele irá manter uma temperatura razoavelmente constante de 37°C. Isso requer muito esforço. O corpo precisa fazer ajustes constantes e incontáveis para balancear a produção de calor com o calor perdido para o ambiente, trabalhando para manter a temperatura nessa faixa restrita. Se a temperatura cai muito, seu sangue é desviado da pele e levado para o centro do torso, enquanto você treme e se encolhe debaixo das cobertas. Os efeitos de um frio mais intenso são desastrosos. A uma temperatura corporal de cerca de 33°C, apenas quatro graus abaixo do normal, os batimentos cardíacos começam a aumentar. A 25°C, há um risco de que eles parem de vez. Mesmo que você sobreviva à hipotermia, reaquecê-lo pode causar um dano enorme aos rins.
Contudo, há certas espécies animais que podem suportar um frio muito maior. O esquilo-terrestre do Ártico normalmente mantém a temperatura do corpo próxima a nossa. Mas, durante a hibernação, ele pode sobreviver a uma temperatura corporal de até –3°C, cuidadosamente administrando os fluidos gelados do corpo para que não congelem e se tornem sólidos. E os hamsters de Lovelock sobreviveram a hipotermias que nos matariam. Como animais sobrevivem a esses estados é um assunto de grande interesse para qualquer um que pretende descobrir os segredos da animação suspensa para humanos.
A hibernação entre as espécies
“Quando seu camarada está morto?” pergunta o professor Rob Henning com um sorriso, citando um manual do exército, recebido no último projeto de alistamento obrigatório na Holanda. “Um: ele está apodrecendo? Dois: A cabeça dele está a mais de vinte centímetros do corpo?” Assim como Lovelock, Henning realizou experimentos com hibernação, que deram a ele uma visão flexível do que se trata estar vivo.
Do último andar do Departamento de Farmácia Clínica e Farmacologia no University Medical Centre Groningen (UMCG), uma ampla janela dá vista para a cidade medieval espalhada sobre a paisagem plana. Abaixo há um movimentado hospital, o centro regional de transplantes cirúrgicos. Também é onde Henning e seu time estão descobrindo os segredos da hibernação.
“O que estamos fazendo aqui é biomimetismo”, diz Henning, “usando essas grandes adaptações da natureza e sequestrando-as em benefício da medicina”.

Muitos animais podem deixar seu metabolismo mais lento para entrar em estados de baixo consumo de energia: insetos, anfíbios, mamíferos, aves e peixes. Em curtos períodos, essa condição (caracterizada pela inatividade e pela redução da temperatura do corpo) é conhecida como torpor. Ao encadear muitas dessas sessões de torpor, os animais podem entrar na longa dormência que chamamos de hibernação. Com essa técnica, animais pequenos – como ratos, hamsters e morcegos – podem afastar a fome no frio do inverno, conservando energia.

Treinado como um anestesista, Henning começou a estudar hibernação, por hobby, nos anos 1990. Isso ficou mais sério depois que ele formou seu grupo de pesquisa, há cerca de seis anos. “Ao se pensar em hibernação, surgem muitos usos para ela. As mais óbvias estão em qualquer tipo de cirurgia importante”, ele explica. A perda de sangue é a maior causa de morte durante cirurgias, mas, em um estado hipotérmico, os hibernadores podem sobreviver a ferimentos muito mais graves do que se estivessem em temperaturas normais. Parte disso é porque os tecidos estão protegidos quando em taxas metabólicas mais lentas; outra parte é porque o coração está bombeando sangue a uma fração do ritmo normal.


CC-BY: Ben Gilbert/Wellcome Images

Mas uma resistência ao frio e à perda de sangue não é tudo quando se trata da incrível resistência dos hibernadores. Ainda que pareça um longo descanso, a hibernação não se trata apenas de dormir no frio: é uma maratona extenuante de hipotermia e de vulnerabilidade à doença e à fome. Para suportar esses sofrimentos, os animais que praticam a hibernação desenvolveram um grupo de adaptações para proteger o corpo e a mente.

Antes de uma hibernação longa, os animais comem até quase se tornarem obesos, basicamente se tornando diabéticos tipo 2. Diferente dos humanos, isso não engrossa as paredes das artérias deles, nem leva a doenças do coração. Algumas espécies param de comer duas ou três semanas antes da hibernação, tornando-se repentinamente resistentes às dores da fome mesmo enquanto se mantêm em seu nível normal de atividade.

Um humano pode ficar deitado na cama por no máximo uma semana até que seus músculos comecem a atrofiar, e que comecem a se formar coágulos de sangue, mas hibernadores aguentam meses sem se mover. Durante a hibernação, o microbioma (a comunidade de bactérias que vive no aparelho digestivo de um animal) é agredida pelo frio e pela repentina falta de comida. Os pulmões dos hibernadores ficam cobertos com um grosso depósito de muco e colágeno, como o que é visto em pessoas com asma, e seus cérebros mostram mudanças que lembram os primeiros estágios do mal de Alzheimer. Algumas espécies perdem a memória durante a hibernação. E o mais surpreendente de tudo: algumas espécies demonstram sintomas de privação de sono quando finalmente acordam.

Ainda assim, hibernadores são capazes de enfrentar todos esses problemas quando acordam para a primavera, frequentemente sem qualquer problema a longo prazo.
Induzindo a hipotermia
O UMCG é um complexo com meio quilômetro de extensão, formado por edifícios tão unidos que é possível andar de uma entrada à outra sem ir para fora. Um desses edifícios é o laboratório de testes em animais.

Em uma pequena sala, distante do corredor principal, Edwin de Vrij – um estudante de doutorado de Henning – está com um colega cuidando de um rato deitado em uma cama de gelo. Um emaranhado de pequenos tubos e cabos cerca o animal, entregando a ele fluidos para preservar sua vida e trazendo dele informações valiosas. Uma bobina de papel saindo aos poucos de uma máquina mostra que, de um ritmo frenético de 300 batidas por minuto, o coração do rato agora está a apenas 60 batidas por minuto. Os números vermelhos brilhando em outra máquina mostram que a temperatura interna do rato caiu mais de 20 graus, chegando a 15°C.


Equipamento de laboratório no University Medical Centre Groningen. CC-BY: Ben Gilbert/Wellcome Images

Um ventilador com sons de tiquetaque auxilia a respiração do roedor anestesiado. Sendo um não-hibernador, como nós, o rato não sobrevive à hipotermia profunda sem ajuda médica. “Se você os esfria, os impulsos nervosos ficam mais lentos e os músculos sofrem no frio, então é natural que eles tenham problemas para respirar”, explica de Vrij. Não é esse o caso de hibernadores reais – ou de alguns mamíferos não-hibernadores. “De alguma forma, hamsters conseguem respirar adequadamente”, ele diz. “Com eles não temos que usar o ventilador”.
Tal qual induzir hibernação em hamsters (um processo que leva semanas de ajuste gradual em salas com clima controlado, para mimetizar o início do inverno), a equipe da UMCG também induz estados de hipotermia forçada, como aquele que vimos no rato, esfriando os animais rapidamente até que eles caiam em um estado de suspensão metabólica.

Hoje, de Vrij está procurando por plaquetas, essenciais para que o sangue coagule e previna sangramentos. Animais hibernadores evitam a coagulação do sangue, a despeito da falta de atividade, devido a uma curiosa mudança no corpo: à medida que eles esfriam, as plaquetas desaparecem do sangue. Ninguém sabe ainda para onde elas vão, mas, por reaparecerem assim que o corpo é reaquecido, de Vrij tem certeza de que elas são preservadas em algum lugar do corpo, em vez de serem absorvidas pelo corpo e depois produzidas de novo. Surpreendentemente, essa mudança ocorre até mesmo em não-hibernadores vítimas de hipotermia, incluindo ratos – e, às vezes, até humanos.
Essas características de diferentes hibernadores indicam que essas espécies teriam herdado de um ancestral comum os mecanismos de proteção contra o frio, inatividade, fome e asfixia. Isso então se desenvolveu em uma ampla síndrome de baixo metabolismo. Há até mesmo pistas de que humanos podem, em algum nível, ter algumas dessas habilidades. Por muito tempo, não havia evidência de que primatas poderiam hibernar. Porém, em 2004, soube-se que uma espécie de lêmure de Madagascar pratica turnos regulares de torpor. “Se você olhar para o lêmure e olhar para nós, nós dividimos com ele cerca de 98% dos nossos genes”, diz Henning. “Seria muito estranho se as ferramentas para a hibernação estivessem espremidas nesses 2% de diferença”.

Conforme cai a temperatura de seus corpos, hibernadores também removem os linfócitos (células brancas) do sangue e os estocam nos linfonodos. Depois de 90 minutos acordados, eles reaparecem. Esse amortecimento do sistema imunológico previne uma inflamação generalizada durante o reaquecimento – exatamente o que faz humanos e outros não-hibernadores sofrerem dano nos rins. De qualquer forma, essa é uma estratégia arriscada, que não deixa os animais formarem uma defesa imunológica durante o sono. Em resposta, os morcegos frequentemente saem da hibernação para afastar o patógeno – e acabam morrendo com o alto custo de energia dessas interrupções.
Os benefícios para os humanos

Ao entender como os hibernadores controlam essas mudanças no sangue, podemos ter benefícios enormes. Além de aprimorar nossa habilidade de sobreviver à hipotermia e estados de animação suspensa, tirar do sangue as células brancas pode prevenir a infecção causada pelo bypass cardiopulmonar. Nesse caso, a ativação das células brancas do sangue, à medida que passam pelo equipamento que tenta salvar sua vida, dispara uma reação imunológica no corpo todo.

Órgãos a serem doados, frequentemente resfriados para o transporte, também se beneficiariam de uma melhor proteção criogênica. E nós podemos aumentar o prazo de validade do sangue estocado em bancos. Nós ainda não sabemos como estocar as plaquetas doadas em baixas temperaturas, então o sangue vindo de doações só pode ser mantido por uma semana antes de ser usado ou jogado fora, sob o risco de infecção.

Foi por acidente que a equipe da UMCG deu um passo gigantesco na direção de seus objetivos, depois que uma estudante deixou uma cultura de células de hamster na geladeira, a 5°C. Depois de uma semana, as células ainda estavam vivas e cheirando a ovo podre. A estudante derramou o meio que envolvia as células sobre um grupo separado de células de rato, suspeitando que as células fedidas poderiam ter secretado algum tipo de agente protetor. Ela colocou-as na mesma geladeira e esperou. Normalmente, refrigerar células de rato as mata rapidamente, mas depois de dois dias elas ainda estavam vivas.

A equipe está investigando diversos componentes que podem ser responsáveis por essa criopreservação. Uma delas é uma enzima conhecida como cistationina beta-sintase (CBS), que estimula a produção de sulfeto de hidrogênio, a molécula que dá aos ovos podres seu odor característico. Ao injetar em hamsters uma substância que inibe o CBS, eles não conseguem mais entrar em torpor, e os que são forçados a estados hipotérmicos sofrem do mesmo tipo de dano aos rins que se esperaria de não-hibernadores, como nós.

Dos mais de cem compostos que a equipe de Henning investigou, muitos não tiveram efeito, mas alguns sim, dando às amostras celulares proteção de longo prazo contra o frio. A equipe já patenteou um desses compostos, Rokepie, como um aditivo. Com ele, é possível refrigerar células que normalmente precisariam ser mantidas a 37°C, como as de ratos ou humanos. A refrigeração pode ser tanto para transporte quanto para deixar experiências em espera durante fins de semana ou períodos com maior carga de trabalho.

As primeiras moléculas de criopreservação extraídas dos hibernadores são incrivelmente potentes, e parece que agem evocando reações das próprias células, sejam de hibernadores ou não. Sendo assim, isso oferece mais evidências de que nós ainda possuímos algumas ferramentas que podem nos ajudar a suportar hipotermia e baixos níveis metabólicos.

Por ora, aplicar as lições que aprendemos dos hibernadores não cabe ao grupo de Henning. A corrida espacial acabou há muito tempo e a NASA não está pagando rios de dinheiro pelo desenvolvimento da animação suspensa. Porém, o exército dos EUA está.
Congelando pacientes de risco

“Para qualquer lugar que você olhe em um centro de trauma [de um pronto-socorro], as coisas são bem caóticas”, conta o professor Sam Tisherman. “É um caos controlado, mas a maior parte vem do fato que você nunca sabe o que está acontecendo com o paciente”.

Nas frenéticas enfermarias da emergência de um hospital, com frequência não é possível para os médicos identificar o problema, resolvê-lo e manter o paciente vivo ao mesmo tempo. Pacientes sofrendo de perda de sangue incontrolável, por exemplo, podem entrar em parada cardíaca. Quando isso acontece, cirurgiões precisam lutar contra o tempo e parar o sangramento antes de começar quaisquer tentativas de ressurreição. “[Quando] alguém chega e está basicamente morrendo”, diz Tisherman, “nós tentamos rapidamente ressuscitá-lo, descobrir o que está errado com ele e recuperar seus ferimentos, tudo ao mesmo tempo”. Esse é o alicerce fundamental da medicina de trauma: você está sempre contra o tempo.

Tisherman quer dar um pouco mais de tempo aos médicos. Ele acredita que, ao induzir hipotermia, nós podemos dar mais tempo aos cirurgiões enquanto eles batalham para salvar as vidas dos pacientes feridos de forma crítica. Para isso, ele quer levar a resistência humana à hipotermia muito além dos seus limites normais.


CC-BY: Ben Gilbert/Wellcome Images

Após se graduar no MIT, em 1981, Tisherman construiu uma carreira em medicina de cuidado intensivo. Ele venceu o Lifetime Achievement Award em ciência da reanimação no Trauma da American Heart Association em 2009, e agora é sócio-diretor do Centro Safar para Pesquisas em Ressurreição em Pittsburgh (EUA). O centro foi fundado por Peter Safar, o médico que popularizou a reanimação cardiopulmonar – a conhecida respiração boca-a-boca seguida de massagem cardíaca – e comandou a criação da Resusci Anne, o boneco usado para ensinar a técnica. Em Pittsburgh, Safar criou o primeiro programa de treinamento do mundo para tratamento intensivo. Seu objetivo de vida era “salvar os corações e mentes daqueles muito jovens para morrer”.

Tisherman é pioneiro na preservação e reanimação de emergência. Seu trabalho é financiado pelo Centro de Pesquisa Tecnológica Avançada e Telemedicina do exército americano, que financia pesquisas em assuntos específicos – como próteses avançadas e robôs projetados para retirar soldados feridos do campo de batalha.

Alguns de seus cirurgiões já estão familiarizados com as técnicas hipotérmicas, acostumados a baixar a temperatura dos pacientes até por volta dos 30°C. Para procedimentos que exigem que o sangue não flua, cirurgiões cardíacos já chegaram a esfriar pacientes a até cerca de 15°C, ponto em que o coração para.

Tisherman planeja esfriar pacientes até esse ponto, ou até mais baixo, refrigerando-os até que o corpo todo entre em um tipo de animação suspensa. Durante esse tempo, o corpo não terá batimentos cardíacos, não irá respirar e não haverá atividade cerebral. Na verdade, também não haverá sangue algum. Ele será drenado e substituído por salina gelada, a única forma de esfriar um humano rápido o suficiente para evitar que os tecidos se danifiquem enquanto lutam para continuar funcionando. Tisherman chama esse estado de “preservação hipotérmica”.

O procedimento já mostrou ter funcionado em laboratório, revivendo cachorros que estiveram suspensos em estados gelados por até três horas. Os testes agora vão para um ambiente clínico. Cirurgiões, anestesistas e perfusionistas do Hospital Geral de Massachusetts já passaram até por treinamentos para a cirurgia pioneira. Mas ninguém sabe quando vai aparecer um paciente adequado. Este é um dos problemas que eles enfrentam: pela natureza do trauma, pacientes não serão capazes de consentir com o procedimento. Por causa disso, o grupo de Tisherman está engajado em uma consulta pública para que os cidadãos da comunidade saibam da existência do programa. O estudo teve que ser assinado pessoalmente pelo secretário do exército, o oficial civil com maior ranking da organização.

Mas ainda existem obstáculos maiores. No meio da atividade frenética na sala de emergência, Tisherman precisa ter certeza que a equipe de cirurgiões de trauma possa trabalhar em harmonia com os cirurgiões cardíacos e perfusionistas armados com bombas e bolsas de salina gelada, uma camada extra de complexidade em um ambiente já caótico. E, apesar de os efeitos do resfriamento afetarem todos os tecidos igualmente, ele tem efeitos colaterais. Os fatores do sangue responsáveis pela coagulação também são inibidos pelo frio: isso cria problemas no controle do sangramento durante a fase de reaquecimento. Além disso, os cirurgiões também vão sofrer com o frio, já que o paciente e a sala serão resfriados durante o procedimento. Mas o frio não é apenas uma ferramenta; o objetivo final é a suspensão metabólica.

No futuro, a reanimação e a preservação de emergência poderão ser levadas até os que sofrem de ataques cardíacos, exposição a venenos ou qualquer situação crítica na qual o tempo seja um fator determinante. “O resfriamento é a forma mais poderosa que nós temos para a supressão do metabolismo”, diz Tisherman. “Se nós pudermos diminuir as necessidades dos tecidos ou aprimorar o fornecimento de oxigênio até eles, então tudo vai ficar bem”.
Ainda que animais de laboratório possam se recuperar de três horas em suspensão, os primeiros pacientes humanos a experimentar a técnica vão ser colocados sob um terço desse tempo. “Uma hora deve ser suficiente para reparar o sangramento”, segundo Tisherman. “O período de resfriamento não precisa necessariamente cobrir toda a cirurgia”. Para aqueles que querem viajar para o espaço distante, ir além de uma hora está, infelizmente, fora de questão por enquanto. “Nós não estamos tentando congelar os mortos”, ri Tisherman, “só ganhar tempo para salvar os vivos”.

Principais referências:
Informações sobre os estudos da preservação de emergência e reanimação;
Hjalmar Bouma e sua equipe da UMCG observam a indução de torpor mimetizando a supressão metabólica natural;
o curioso caso de hibernação em camponeses russos, publicado no British Medical Journal em 1900.
o relatório de 1955 escrito por James Lovelock sobre suas experiências com hamsters congelados;
uma boa descrição dos estudos da NASA no artigo Depressed Metabolism, por X. J. Musacchia e J. F. Saunders (1969).
um relatório da NASA de 1973 sobre o papel do metabolismo reduzido em biologia espacial, por J. F. Saunders.

Este artigo foi publicado originalmente no Mosaic e é republicado aqui sob licença Creative Commons.

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